me tirou o tino
destampar o sol
e ele pudesse voltar a cobrir meu
corpo. Foram vinte e três minutos...
Arreda, homem que aí vem mulher!
Vem serena e gargalhando, de batom vermelho,
sua taça tem o sangue vital do mundo,
sua gargalhada é na cara de quem antes
de saber o nome, disse ki (bunda) primeiro.
Arreda, homem que aí vem mulher!
Ela é a Outra de quem dela sente inveja.
Com turbante, ela amarra o amor na
cabeça
e com uma facada, abre as ideias do coração.
Arreda, homem que aí vem mulher!
Ela escolhe o que quer ser, ela está onde
quiser. Antes de você falar, ela já te escuta.
No poder do feminino, bote fé.
Arreda, homem que aí vem mulher
Preta, quikilombola é arretada.
Escolheu a maternagem parindo
axé.
Em cada verso um ebó!
Quem vem de lá é MULHER
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sou mãe solo, estudante, professora, militante do movimento negro,
candomblecista e uma poetisa que ainda não publicou um livro mas que ama
escrever e ama ser quem é, uma mulher preta que persegue os sonhos do
seu povo. amo escrever, e sempre fiz desde criança, compartilho meus
escritos e minhas redes sociais e onde acho espaço para expressar minha
alma.
Quem dera querer apenas o essencial,
sem besteiras,
deitar sobre a
mandíbula
olhando sem olhos
o céu sem estrelas
Quem dera
permanecer apenas
intacta
macia e
rosada sem
cortes sem
marcas
Quem dera pudesse, eu
remoer certos
bolos
desfrutar mais uns
gostos
deslamber,
cuspir outros
Mas não sou de boca
qualquer que sequer
sabe o que prova. Eu sinto o
frio da colher
como o carinho que me toca.
Eu sinto histórias nas gengivas.
Sinto incontáveis salivas.
O sabor de paixões
derretidas com minhas
papilas gustativas.
Arte Glossal num Percurso de Língua
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Tenho de 19 anos, nasci e cresço numa pequena comunidade no município de Itiúba, na Bahia. Em meio às dificuldades da vida, encontro na escrita a liberdade para me expressar, desde as dores às belezas de ser mulher, e o que mais me fizer sentir e me inspirar. A poesia é pra mim, sobretudo, um poder de organização para uma mente confusa, insegura, mas com sonho de se conhecer e se permitir. Embora sendo algo muito íntimo, como um momento comigo mesma, acredito que desabafos e empatia salvam, assim, a arte é mais bonita quando compartilhada.
Abstrata
Se não levanto, meus pés furados
para mostrar cicatrizes
deixo de ser
andarilha?
Quem disse
que as palavras de minha
boca "feminina"
não branca
não podem ser
brandas internas,
fantasiadas?
Se a minha poesia
por acaso
não tocar na casca ,
na brasa
de minha pele queimada
de minha flor deflorada
ela não tem valia?
Me desculpe,
mas não falo
quando você quer.
No meu abstrato
me orgulho
de não ser mais um:
não sou mais um homem
branco lírico, poeta,
falocêntrico
de mil sentidos que só ele
sente ainda bem...
Mas, nem ouse presumir
que a minha poesia
vai ser resumir
ao tato
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Me chamo Naiane Miranda, sou baiana e negra que cresceu sendo chamada de
morena e demorou a se perceber como pertencente ao grupo, mesmo
sofrendo com o racismo velado de nossa sociedade.
Filha de pais separados de um casamento conflituoso e violento, minha
trajetória e vivências é muito inspirada em valores como a busca por
educação e pela arte de cada um.
Fui muito estimulada pela minha mãe, que lutou sozinha para sustentar
seus três filhos, vencendo muitas opressões ocasionadas pelo
patriarcado, pela pobreza e a desigualdade social.
Escrevo poesia desde criança e atualmente também tenho explorado outras
escritas, como a de contos de horror, e expressões artísticas, como a
ilustração digital e a dança.
Anseio
Se não temessem tanto
o amor de iguais
meus olhos te visitariam
com a ternura
que te dedico
nas noites em que habitamos
o mundo todinho
do teu quarto
Se não temessem tanto
o amor de iguais
eu beijaria o
espaço
entre tua
nuca
e a orelha esquerda
enquanto as pessoas
sorririam com aquele
afeto
expresso e dono
de si
Se não temessem tanto
o amor de iguais
não estaríamos perdidas
enquanto o vermelho
escarlate
mancha o espaço
que antes
pertencia
ao laço
de duas mãos
Se não temessem tanto
o amor de iguais
com os
estilhaços
do que não podem ser
agora meus caminhos
não estariam áridos
e o lado direito da cama
ainda seria teu
e da tua risada
de menina
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Eu me chamo Carol Barbosa, tenho 22 anos e desde a infância sou
apaixonada por Literatura. No ensino médio participei durante três anos
dos projetos de incentivo do governo estadual para produções artísticas
nas escolas públicas. Eu sempre gostei de escrever poesias, contos,
crônicas e esse projeto possibilitou que eu tomasse coragem para mostrar
minhas produções para outras pessoas. Hoje tenho uma página no
Instagram voltada para meus poemas, a "Do que me afeta".
DENGUINHO
para C.
o toque ameno das mãos,
o torso molhado, molhado:
imagem e semelhança do meu.
se não a vejo, no tato a
reconheço: água sobre água
coxas, peitos, barriga, buceta
[e toda ancestralidade me reconhece
quando ela me chama: preta]
nós duas
a verdadeira imagem e
semelhança de deus.
[e o amor responde: preta]
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Nem olhos
verdes nem
pele clara.
Eu sou a preta que não
passa pelo gargalo do
racismo
Ka, Ka... cabelo?
Crespo, rústico, desses que só
serve bem baixinho
arrumadinho pra não armar.,
Em infindas negações, tento
desembaraçar. Confesso, é embaraçoso.
Quantas horas no espelho penteando?
Quantas vezes na semana me negando?
Desgosto.
A mim mesma
causo tamanho desconforto
Horas a fio,
entupindo de fios
soltos os ralos do
racismo
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Há dias que brilho e dias que holofotes me ofuscam, e num desses oscilar de sentires gritei urgentemente pro papel quão desafiador é sustentar meu ventre preto- amor-dor nesse mundo, pois querides, me permitam dizer que a mama África aqui sabe da potência que é, mas certos momentos não se basta de viver tanta negação.
Dans la mer
Dia 13
Você 31
De todos os ângulos
a Baía
a nos encantar
Dia límpido e claro
radiante
solar
Teu corpo
em meu corpo
Teus olhos de mar, calmaria
nas águas delírio
no olhar
Dos Frades a Ilha
que nos viu dançar
no balanço das
águas em transe
entrar
Pulsava ao
sul
o corpo da
atriz
que sem uma
palavra tanto me
diz
Amantes das águas
nas águas do mar
sereias de lesbos
num gemer-cantar
No balanço das águas
desejo irromper
rasgando a Baía
gritar de prazer.
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Raiza Canuta é natural de Salvador, historiadora, cantora, instrumentista, compositora e escritora. Mulher negra, lésbica, nordestina, filha da classe trabalhadora e de uma família negra, monoparental e feminina, antifascista, antirracista, anti-LGBTfóbica, atua como professora substituta de História da África no Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia - UNEB Campus X, Teixeira de Freitas. Desde o ano de 2012, divide a vida entre as salas de aula, arquivos históricos e os palcos de bares, restaurantes, hotéis, saraus e eventos universitários e particulares. Apaixonada pela Cidade da Bahia, como era chamada Salvador durante o período colonial, suas gentes e suas águas, escreve sobre mulheres e homens africanos e afrodescendentes, escravizados e libertos que habitaram a cidade no século XVIII; maternidade de mulheres negras, sobre lesbianidades, sobre amar e sobre o mar.
Oco
há um espaço mínimo
entre uma perna e
outra cheio de um
silêncio
que macera minh'alma devagar
neste vácuo
moram doze tentativas
falhas de uma compreensão
profunda
ninguém entende nada do que aconteceu
nem mesmo as pernas que testemunharam tudo.
existe um
oco desabitado
abandonado
e limpo
limpo por tantas lágrimas
choradas em repartidos
prantos todos sem nenhum
ruído
mas me digam:
que nome pode dar uma
mãe ao rastro do que foi
teu filho?
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Jaisy Cardoso, no instagram @ajaisycardoso, é poeta e contista. Nascida em Salvador, estuda Letras Vernáculas na Universidade Federal da Bahia, e está nas antologias "Corpo que queima" e "Eu, mulher, existo e resisto", ambas publicadas virtualmente em 2019. Já em 2020, durante a pandemia, assinou o texto do vídeo-poema "Assentamento", dirigido e estrelado por Gi Uzêda, e publicou nas antologia de contos "Soteropolitanos", e de poemas "Do que ainda nos sobra da guerra e outros versos pretos", da editora Ipê Amarelo.