sábado, 15 de maio de 2021

Vitória Matos

 


Uma tonteira
me tirou o tino
no instante em que contava
quanto tempo era necessário para a nuvem
destampar o sol
e ele pudesse voltar a cobrir meu
corpo. Foram vinte e três minutos...
Rápido demais.
E o sol, então, tinturou minha pele de 
novo ..A cada vinte e três minutos o sol
se escondia
isso se repetiu
por um mil quinhentas e quarenta 
vezes em um intervalo iluminado
quase nulo. Já não dava mais para
contar
Por por quanto tempo 
o sol se escondia
já era tudo nublado demais.
 
 
----------------------------------------
 
 
Sou natural do sertão baiano e no ano de 2020 tive um conto selecionado
 
para publicação no livro-coletânea Escritas Femininas em Primeira 
 
Pessoa (Editora Oralituras), se consumando, assim, a minha primeira 
 
publicação. Encontrei na poesia, na literatura, o meu lugar seguro e das 
 
possibilidades de reimaginar o meu presente-futuro desgarrada das dores 
 
e ausências que atravessam os diversos territórios que habito.  

Andreza Benguela

 


Arreda, homem que aí vem mulher!


Vem serena e gargalhando, de batom vermelho, 

sua taça tem o sangue vital do mundo,

sua gargalhada é na cara de quem antes 

de saber o nome, disse ki (bunda) primeiro.


Arreda, homem que aí vem mulher!


Ela é a Outra de quem dela sente inveja. 

Com turbante, ela amarra o amor na 

cabeça

e com uma facada, abre as ideias do coração.


Arreda, homem que aí vem mulher!


Ela escolhe o que quer ser, ela está onde 

quiser. Antes de você falar, ela já te escuta.

No poder do feminino, bote fé.

 

Arreda, homem que aí vem  mulher 

 

Preta, quikilombola é arretada.

Escolheu a maternagem parindo 

axé.

Em cada verso um ebó!

Quem vem de lá é MULHER

 

-----------------------------------------

 

sou mãe solo, estudante, professora, militante do movimento negro, 

 

candomblecista e uma poetisa que ainda não publicou um livro mas que ama 

 

escrever e ama ser quem é, uma mulher preta que persegue os sonhos do 

 

seu povo. amo escrever, e sempre fiz desde criança, compartilho meus 

 

escritos e minhas redes sociais e onde acho espaço para expressar minha 

 

alma. 

Janine da Silva

 

 


 

Quem dera querer apenas o essencial,

sem besteiras,

deitar sobre a 
mandíbula
olhando sem olhos

o céu sem estrelas


Quem dera
permanecer apenas
intacta

macia e
rosada sem
cortes sem
marcas


Quem dera pudesse, eu
remoer certos
bolos
desfrutar mais uns
gostos
deslamber,
cuspir outros


Mas não sou de boca
qualquer que sequer
sabe o que prova. Eu sinto o
frio da colher

como o carinho que me toca.


Eu sinto histórias nas gengivas.

Sinto incontáveis salivas.

O sabor de paixões 

derretidas com minhas 

papilas gustativas.


Arte Glossal num Percurso de Língua

 

-------------------------------------------------------

 

 

Tenho de 19 anos, nasci e cresço numa pequena comunidade no município de Itiúba, na Bahia. Em meio às dificuldades da vida, encontro na escrita a liberdade para me expressar, desde as dores às belezas de ser mulher, e o que mais me fizer sentir e me inspirar. A poesia é pra mim, sobretudo, um poder de organização para uma mente confusa, insegura, mas com sonho de se conhecer e se permitir. Embora sendo algo muito íntimo, como um momento comigo mesma, acredito que desabafos e empatia salvam, assim, a arte é mais bonita quando compartilhada. 

Naiane Miranda

 


Abstrata


Se não levanto, meus pés furados 

para mostrar cicatrizes

deixo de ser 

andarilha? 


Quem disse

que as palavras de minha 

boca "feminina"

não branca

não podem ser 

brandas internas, 

fantasiadas? 


Se a minha poesia

por acaso

não tocar na casca ,

na brasa

de minha pele queimada 

de minha flor deflorada

ela não tem valia?


Me desculpe, 

mas não falo

quando você quer. 

No meu abstrato

me orgulho

de não ser mais um:

não sou mais um homem 

branco lírico, poeta, 

falocêntrico

de mil sentidos que só ele 

sente ainda bem...


Mas, nem ouse presumir

que a minha poesia

vai ser resumir 

 

ao tato

 

----------------------------------

 

 

 

Me chamo Naiane Miranda, sou baiana e negra que cresceu sendo chamada de 

 

morena e demorou a se perceber como pertencente ao grupo, mesmo 

 

sofrendo com o racismo velado de nossa sociedade. 

 

Filha de pais separados de um casamento conflituoso e violento, minha 

 

trajetória e vivências é muito inspirada em valores como a busca por 

 

educação e pela arte de cada um. 

 

Fui muito estimulada pela minha mãe, que lutou sozinha para sustentar 

 

seus três filhos, vencendo muitas opressões ocasionadas pelo 

 

patriarcado, pela pobreza e a desigualdade social. 

 

Escrevo poesia desde criança e atualmente também tenho explorado outras 

 

escritas, como a de contos de horror, e expressões artísticas, como a 

 

ilustração digital e a dança. 

Carol Barbosa

 


 

Anseio 

Se não temessem tanto
o amor de iguais
meus olhos te visitariam
com a ternura
que te dedico
nas noites em que habitamos
o mundo todinho
do teu quarto 

Se não temessem tanto
o amor de iguais
eu beijaria o
espaço entre tua
nuca e a orelha esquerda
enquanto as pessoas
sorririam com aquele
afeto expresso e dono
de si 

Se não temessem tanto
o amor de iguais
não estaríamos perdidas
enquanto o vermelho
escarlate mancha o espaço
que antes
pertencia ao laço
de duas mãos 

Se não temessem tanto
o amor de iguais
com os
estilhaços
do que não podem ser
agora meus caminhos
não estariam áridos
e o lado direito da cama
ainda seria teu
e da tua risada
de menina

---------------------------

Eu me chamo Carol Barbosa, tenho 22 anos e desde a infância sou apaixonada por Literatura. No ensino médio participei durante três anos dos projetos de incentivo do governo estadual para produções artísticas nas escolas públicas. Eu sempre gostei de escrever poesias, contos, crônicas e esse projeto possibilitou que eu tomasse coragem para mostrar minhas produções para outras pessoas. Hoje tenho uma página no Instagram voltada para meus poemas, a "Do que me afeta".

Louise Queiroz

 


DENGUINHO 

para C.


o toque ameno das mãos,

o torso molhado, molhado:

imagem e semelhança do meu.


se não a vejo, no tato a 

reconheço: água sobre água

coxas, peitos, barriga, buceta


[e toda ancestralidade me reconhece 

quando ela me chama: preta]


nós duas

a verdadeira imagem e
semelhança de deus.


[e o amor responde: preta]

 

-------------------------------------

 

Sou estudante de Letras na UFBA, tenho 27 anos, sou poeta e autora do livro Girassóis estendidos na chuva. A poesia chegou pra mim muito antes da palavra. Os silêncios e silenciamentos, os medos, as violências, chegaram para mim depois da poesia. Chegaram com o contato com o mundo. As palavras vieram para mim como recurso para transitar no meio de todas essas coisas – sejam elas boas ou ruins. Vieram para ensinar às minhas mãos e ao meu corpo linguagens estratégicas. E essa consciência eu só começo a ter agora após passar por um longo processo de compreensão do meu próprio corpo e de como ele se coloca nos espaços. Hoje percebo que meus caminhos com a literatura não se encerram e muito menos se fincam apenas na palavra. Meu corpo está em um fluxo de movimentos e atravessamentos que também constroem a minha trajetória enquanto poeta. Escrever é estar em contato constante com a leitura e consequentemente com inúmeras formas de movimentos dentro e fora do cenário literário. Os meus textos conversam com os textos e as escritas de outras mulheres, assim como meu corpo.